sexta-feira, novembro 30, 2012

Na reunião de quinta-feira
Ontem falámos de admirar, acompanhar e assumir a cruz. O Manel partilhou que uma das coisas que a cruz mudou nele foi despejar-lhe culpa em cima. Como diz John Stott: "antes de olharmos para a cruz como algo feito para nós temos de olhar para a cruz como algo que nós próprios fizemos." A coisa boa é que com essa culpa vem um sentido de dependência. O que perdemos em autonomia (não estamos livres do mal que praticamos) ganhamos em intimidade com Deus (dependemos dele em cada dia). O Filipe pegou aí para afirmar o paradoxo que é a cruz ser simultaneamente desespero e doçura. E o Miguel ainda acrescentou que nos momentos em que nos sentimos insensíveis à história que ouvimos vezes repetidamente, a da cruz, a comunidade tem o efeito de nos trazer aquilo que muitas vezes não escolheríamos: a realidade da fé.

quarta-feira, novembro 28, 2012

Porto
Tempo formidável no Porto!
- Uma sala da Faculdade de Letras cheia para ouvir falar sobre a relação improvável (ou nem tanto) entre a religião e a música popular.
- A argúcia da Helena Vilaça a descortinar sentido num tema onde só mais tarde os outros conseguem.
- A companhia do Pedro Mexia a dar a tudo mais interesse.
- A hospitalidade das pessoas da Igreja Metodista do Mirante.
- O Templo cheio para as 14 canções que eu e o Sami tocámos. E um Templo que não é um Templo qualquer - seguramente dos mais bonitos dos protestantes em Portugal.
- Conhecer pessoalmente quem não deve ficar no virtual apenas.
- 50 discos despachados a fazer temer que a edição do Amamos Duvall termine em menos de um mês.

terça-feira, novembro 27, 2012

Ouvir
Achar a cruz absurda pode ser fácil mas achar na cruz admiração é melhor. Um conselho para nós, possivelmente domesticados na audição constante deste evento: mantenhamo-nos admirados por ele.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

segunda-feira, novembro 26, 2012

A Reforma Protestante em desenhos

















Fazer desenhos ajuda-me por vezes a organizar os pensamentos. E, por toscos que sejam, continuo a gostar de fazer bonecos. Comecei a ler a Institutas outra vez e ao mesmo tempo ando a ler uns textos sobre o Calvino (numa compilação de Palestras chamada "The Puritan Papers" que a minha mulher me ofereceu no meu aniversário). A parte divertida são os tais bonecos eventuais. A parte menos divertida é, a um nível global, pensar que somos um País que no Século XXI precisa que a Reforma Protestante lhe seja explicada em desenhos.

[Neste desenhinho: "O que Calvino sente que tem de fazer: escrever as Institutas para convencer o Rei de França que a Reforma é cristã e não um extremismo revolucionário."]

sexta-feira, novembro 23, 2012

A Sábado e as Testemunhas de Jeová
A Sábado traz um artigo sobre as Testemunhas de Jeová. Não o li (e não sei se o vou ler). Reajo apenas à capa. Porque, não sendo Testemunha de Jeová, intuo que uma manchete jornalística acerca de hábitos religiosos considerados estranhos por leitores de revistas generalistas me coloca mais próximo das pessoas dos hábitos religiosos considerados estranhos do que dos leitores de revistas generalistas. Alguns pensamentos tão desorganizados quanto espontâneos:

1. Os filhos de pessoas que levam a religião a sério mostrarão sempre aos outros hábitos tidos como absurdos.
Os meus filhos são educados a não dizer palavrões, a desconfiarem do Halloween, a não verem as Wings (e outra multidão de desenhos animados que achamos péssimos por promoverem curiosidade pelo ocultismo), apenas como alguns exemplos imediatos. Isso faz deles crianças que são testadas pelos hábitos da maioria. E isso certamente fará deles pessoas que volta e meia gostavam de não se sentirem diferentes em relação à maioria mas pessoas que volta e meia se sentem diferentes em relação à maioria são pessoas a crescerem com a ideia de critério. De que a razão última de fazer alguma coisa não se fundamenta na estatística.
As crianças filhos de Testemunhas de Jeová não podem cantar os parabéns na escola nem celebrar o Natal. E daí? A ligação deste ponto A leva-nos a um ponto B em que estas crianças estão condenadas a algum tipo de infelicidade específica? Se sim, porquê?

2. Qualquer pessoa com princípios queima livros mesmo que não use o fogo.
Não me lembro de nunca ter queimado um livro. Mas sou profissional em queimar livros na fogueira mais eficaz de todos os tempos: a da liberdade de não querer ler. Aplico esse princípio aos meus filhos porque existirão livros que por minha iniciativa de pai eles nunca lerão. Qualquer tipo de livro que promova um princípio que considere danoso ao desenvolvimento físico e espiritual dos meus filhos fará parte do nosso Index doméstico.
Alguns fiéis das testemunhas de Jeová queimam livros infantis em bidons de metal. E daí? Roubaram-nos? Fotocopiaram-nos sem a autorização do autor? A lei proíbe barbecues acendidos a literatura?

3. Ir para a uma instituição de ensino superior é apenas uma escolha entre muitas no que diz respeito à formação de um cidadão
Graças a Deus tive pais que me educaram para achar que a Universidade era uma parte essencial da minha educação. Sou-lhes agradecido. Porque também, e em último grau, algumas das lições que aprendi na Universidade ajudam-me a problematizar a necessidade de ir para a Universidade (a FCSH é assim). Estou em crer que será útil ajudar os meus filhos a quererem ir para a Universidade. Nem que seja para eles chegarem lá e perceberem que não precisavam de ter ido. A isto pode chamar-se educação, que é uma coisa que não é essencial para a sobrevivência das espécie mas ajuda. O mesmo se aplica a ser promovido no emprego. Não é essencial mas ajuda. Os jornalistas da Sábado têm no seu código deontológico alguma alínea particular acerca do ensino superior e sobre a promoção na carreira? Se sim, o quê?

4. O casamento não depende de beijos na boca
Talvez no artigo o jornalista desenvolva a tese em que casamento e beijo na boca são associados necessários. Caramba, é aos 35 anos que me apercebo que para os jornalistas da Sábado o maior problema de um casamento pode ser a ausência de beijos na boca durante o namoro. Vou aprender isto e dizer a todos os casais que tentamos aconselhar quando passam por crises: “olhem, segundo a imprensa nacional poderia ser pior - poderiam ter namorado sem dar beijos na boca durante o namoro. Animem-se!”

5. O mundo mostra com naturalidade que existem pais e filhos de relações cortadas
Pergunto: em termos radicais um pai nunca pode cortar relações com um filho e vice-versa? Se sim, quais as razões que a Sábado aponta para esse corte ser moralmente pemissível? Ingresso na Juventude Hitleriana? Troca do Benfica pelo Sporting? Mudança de sexo? Homicídio na família? Pelo menos ficamos a saber que questões religiosas não são moralmente permissíveis pela Sábado para justificarem um corte numa relação familiar.

Para terminar: não sei se vou ler o artigo (não me apetece mesmo). Mas sei que o que a capa apenas já fez é uma manifestação que está no grau mais elementar de intolerância religiosa. Quando quiserem visitar o meu quintal avisem que eu tento ir adiantando, em textos como este e outros, “o mundo desconhecido em que são educadas as crianças evangélicas”.

quinta-feira, novembro 22, 2012

Festa II (Marta e Joaquim)
Maio e Novembro são os meses em que mais filhos nos nasceram (na verdade, Maio e Novembro são os únicos meses em que filhos nos nasceram). A distância entre Maio e Novembro é de meio ano. Quer assim dizer que cada ano está rachado ao meio em termos de celebrações familiares. É então matematicamente possível dizer que cada ano corresponde a duas metades de festa.
Manel



Ainda não falei do teledisco do Manel. Tenho uma história meio complicada no que diz respeito a falar sobre os telediscos do Manel. Porque gostei de todos os telediscos do Manel até hoje mas comentei-os de uma maneira desajustada. Explico: I stand by all of my words. Mas o modo como falava dos telediscos ou feitos dos Golpes era um modo íntimo que escancarava em público. O resultado é que a ironia, que é um dos privilégios da minha amizade com o Manel, soava a sarcasmo aos ouvidos das pessoas com quem não tenho a mesma amizade. O que era um gesto de apreço soava como um gesto de agressão. As piadas de classe (que existem from the very first second do meu caminho com o Manel) eram esmiuçadas sem uma atitude essencial nestas coisas: a graça. No fundo, e sem grande discernimento, divertia-me que tanto estrilho houvesse pelo que me parecia tão pouco. Mas entretanto fui-me apercebendo que queimei pontes quando não era a minha intenção. E que, novamente - lá está, o humor precisa de ser temperado com uma clareza que resista à vertigem da piada imediata.
Esta canção do Manel é uma grande canção, e continua no estilo que ele tem criado para si. A obsessão do Manel com o rural é algo com o qual a minha urbanidade protestante não joga muito (originalmente o termo pagão quer dizer campónio e era um modo que os cristãos tinham de se distinguir das superstições rústicas) mas não lhe sou indiferente porque é sobretudo do domínio da imaginação, não da evidência. Até o ar de época de todos os músicos é, para mim, mais uma afirmação individual do que um projecto colectivo (embora o Manel possa discordar). E a pintura é bonita para caramba. E, neste amealhar atrapalhado de elogios tímidos, o Manel mostra mais uma vez que enquanto fizer música eu não vou poder refugiar-me na fanfarronice ressentida de odiar todas as canções do meu País. Haja festa.

terça-feira, novembro 20, 2012

Ouvir
Para muitos que assistem à cena da cruz, que ouviram de uma carreira de milagres, é ridículo que Jesus não aplique um nesta circunstância. Afinal que tipo de salvação é a que Jesus traz? E percebemos que o maior milagre de todos é, nesta altura, não fazer qualquer. Jesus fez milagres para perdoar pecados e não o contrário. Jesus não perdoa pecados para fazer milagres. Por isso nesta hora aqueles que têm no livramento imediato a sua ansiedade têm de se desiludir com Cristo. Porque Cristo não vive para um livramento imediato mas morre para um livramento eterno.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

segunda-feira, novembro 19, 2012

Agenda


















A não perder.

sábado, novembro 17, 2012

Na reunião de Quinta-Feira
Falávamos acerca de Jesus na cruz ser injustiçado pelos homens ao mesmo tempo que cumpre a justiça de Deus. O Manel disse que um exercício prático que o ajuda a trazer a cruz para o quotidiano é medir todos os problemas com a régua da eternidade. Sendo que isso, acrescentou o Ricardo, não é uma maneira de os desvalorizar mas antes pelo contrário. Ainda sobre o modo como a cruz se torna a medida da nossa vida o Filipe advertiu para o perigo de nos arrependermos dos nossos pecados em abstracto. A morte concreta do Senhor deve confrontar os pecados concretos.

sexta-feira, novembro 16, 2012

As minhas crianças e a carga policial
Em casa não temos o hábito de ver televisão durante a refeição. Mas nesta quarta-feira passada não resisti, espicaçado pelas últimas da internet, a ligar as notícias às 20h. Os meninos, que acabavam de comer a fruta, ficaram perplexos com as imagens da manifestação que terminou em carga policial. Sobretudo a Maria fez perguntas que, a bem da verdade, não respondi apropriadamente porque gastei mais tempo a sossegá-la para ver o que se passava que a esclarecê-la. Dois dias depois, e com mais distância, penso em três coisas.

1. A questão do pecado
Podemos sempre dizer que acontecimentos como os de quarta-feira dão-se porque o mundo não é perfeito. Concordo, mas como cristão, sinto que devo ir mais longe. Acontecimentos como os de quarta-feira dão-se porque o mundo é de pecadores. Sejam eles políticos, polícias ou protestantes. Quando as coisas correm como correram todos sem excepção devem ser chamados a reavaliar os seus actos, independentemente de aceitarem ou não o conceito de pecado. Ainda que seja para concluírem, contra todas as expectativas, que não erraram em coisa alguma.

2. A questão da pedagogia
Aqui fiquei muito aquém. Para o bem ou para o mal aquela excepção na rotina da nossa família, da tv estar ligada no fim da refeição e ainda por cima com imagens de violência, devia ter suscitado em mim mais sensatez que sofreguidão. Ao invés de me ter exasperado com a brutalidade da cena deveria ter atendido as perguntas dos meus filhos com mais calma. Os meus filhos não têm culpa da crise e da carga policial por isso, se elas lhes entram pelos olhos adentro porque o permito, então que lhes dê alguma tentativa de compreensão. Mostrar sem explicar é uma forma negligente de prolongar nos meus filhos a violência que não entendem.

3. A questão da prece
Depois de desligar a televisão retomámos a rotina da casa que é o culto doméstico após a refeição. Devíamos ter orado na hora pelo assunto: pelos políticos, pelos polícias, pelos protestantes. A oração não é um refúgio para quem não quer compreender, a oração é para os cristãos o lugar onde a compreensão começa. Em dependência, espera e confiança. O que nos faltou na quarta-feira, se Deus permitir, bem pode acontecer hoje na sexta.

quinta-feira, novembro 15, 2012

Três artigos

- O textos do Barnabas Piper acerca de ser filho de Pastor são preciosos. Deus me ajude que preciso desesperadamente de educar bem os meus. Em sete passos Barnabas diz aos pastores que os seus filhos precisam de: 1) um pai, não um pastor; 2) conversas, não sermões; 3) interesse no que eles gostam de fazer; 4) serem objecto de estudo; 5) consistência dos pais; 6) graça na hora em que falham; e 7) um único padrão moral.

- Ainda sobre o assunto do aborto e as eleições americanas vale a pena ler um texto de alguém que olha o fenómeno como uma tragédia indizível ao mesmo tempo que reconhece que já fez parte dela. "I cannot undo what I've done in the past. None of us can. Only Jesus, who shed his blood for sinners like me, can heal those wounds. Jesus gives us great hope in the midst of this tragedy, and all the other tragedies we face in this life."

- Os Protestantes têm sobre Tomás de Aquino uma relação sensível. Este artigo explica que o problema de Aquino é pensar demasiado confiante no seu pensamento, porque não aprecia da maneira certa os estragos do pecado na nossa mente. "Because of a weak view of sin's effects on us, there were some central and significant foundational (i.e., epistemological) issues that came out of the medieval period and needed substantial revision during the time of the Reformation."

quarta-feira, novembro 14, 2012

Nas lojas
 







O disco pode ser comprado na Flur e na Louie Louie.

terça-feira, novembro 13, 2012

Ouvir
Quando observamos que Jesus é julgado pelo próprio Pai, deixamos de ter apenas um Messias injustiçado para ter também um Messias que permite a justiça. Porque garante por si que o justo castigo é aplicado. Ele no nosso lugar. Assim o julgamento de Jesus não é apenas um momento em que a justiça não foi feita ao nível dos homens mas é também um momento em que a justiça foi feita ao nível de Deus. Esta história sinistra torna-se uma história de luz.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

segunda-feira, novembro 12, 2012

Amamos Duvall - o disco

[Era para ser só à meia-noite mas deito-me cedo.]

E hoje, 1658 anos depois de ter nascido Agostinho, sentimo-nos com vontade de celebrar. O meu humilde contributo é este disco (duplo) que Deus me permitiu gravar nas redondezas das férias passadas. Voltei ao meu primeiro produtor a solo (corria o ano de 1999 quando eu e um adolescente chamado João Eleutério combinámos um disco chamado “Oito Canções de Tiago Guillul”) e foi um grande regresso. Sem desprimor para nenhum outro, o João sacou o melhor som de um disco da FlorCaveira. É para ouvir alto mesmo. O Armazém 42 é o sítio.
Podem ouvi-lo aqui. Mas existem 333 exemplares físicos que são um primor graças ao talento do Pedro Lourenço e da Sofia Martins. Quem os quiser dirija-se ao site da FlorCaveira e trate do assunto enquanto é tempo (5 euros por dois discos). Ouvir na net é bom mas a experiência do objecto é diferente (no disco não há cá essa mariquice das pausas entre canções).
Amamos Duvall são 24 canções sobre muitos assuntos, com alguns dos músicos que mais admiro, com vontade de serem urgentemente cantadas ao vivo. É o meu disco menos meu disco. Porque é um disco que tenta colocar o foco na minha família. Porque eu sou a minha família. E não haveria música sem a minha família. É, também e necessariamente, um disco sobre a minha fé. Sobre o Senhor Jesus. Mas pode ser ouvido por pessoas que não querem saber de religião para nada (se os Ratos de Porão autorizaram a que os samplasse, explicando-lhes previamente que era um punk evangélico, caramba, qualquer herege o pode ouvir).
Agostinho. Contra-cultura. O que subiu vai ter de descer. See ya in the pit!

Homens de Água



A um dia de sair o “Amamos Duvall” espalhem o talento das minhas crianças.

sexta-feira, novembro 09, 2012

Na reunião de Quinta-Feira
O Manel começou bem quando disse "às vezes quando falamos de fé mostramos mais de nós que da fé". Conversávamos na igreja acerca de quando a nossa fé é tão tímida que evitamos palavras e acerca de quando a nossa fé é tão tímida que desperdiçamos palavras. O Miguel dizia que nesse equilíbrio instável fazemos tudo por tudo para não darmos aos outros a ideia que a nossa fé é um fruto do acaso, por isso medimos provavelmente demais os momentos que achamos oportunos para que o assunto venha com alguma pertinência. A Nice salientou que esse é um dos nossos grandes desafios actuais, sermos pessoas que não fazem do seu cristianismo uma questão de auto-imagem (porque quando o assunto é a auto-imagem vamos ser hiper-calculistas e ultra-amedrontados com a hipótese de fazermos má figura por falarmos daquilo em que acreditamos). Por último, o Ricardo deu um conselho. Se orarmos pelas pessoas por quem nos preocupamos por partilhar a nossa fé a realidade vai deixar de ser uma questão de análise de causa-efeito para se tornar verdadeiramente espiritual. Quando oramos pelas pessoas a quem queremos testemunhar a fé, ensina-nos a Bíblia, mudamos nós, mudam elas, muda tudo. E a fé deixa de estar limitada à boca para poder usá-la da melhor maneira. As palavras passam a estar dependentes do Espírito Santo. Saímos animados por este ensino.

quinta-feira, novembro 08, 2012

Homens e aves
Desde há uns tempos mantenho o hábito de ler um Salmo e extrair dele uma oração pessoal. Os Salmos são uma boa parte das vezes orações daí que o exercício seja simples. Interessa colocarmo-nos naquilo que corre o risco de ficar distante no papel. Hoje lia o Salmo 84 que é uma oração que se escreve sozinha. Quão amáveis são os teus tabernáculos, Senhor dos Exércitos! A minha alma está anelante, e desfalece pelos átrios do Senhor; o meu coração e a minha carne clamam pelo Deus vivo. Até o pardal encontrou casa, e a andorinha ninho para si, e para a sua prole, junto dos teus altares, Rei meu e Deus meu.
É notável: querer estar com Deus é um desejo tal que até os bichinhos nidificam na igreja. Todos querem estar no lugar dedicado ao Senhor. A sombra do santuário é agradável a homens e aos pássaros. O louvor como sintonia social e zoológica. Provavelmente estou mais susceptível a este tipo de raciocínios porque ando a ler o excelente “Nenhum caminho será longo” do Padre Tolentino.

quarta-feira, novembro 07, 2012

Sete coisas sobre as eleições americanas
Se calhar Deus fez-me português para não votar nos Estados Unidos. Ainda assim permitam-me algumas observações. Tão parciais quanto sinceras.

1. O aborto não é tudo em política. Até porque há mais política para os que não foram abortados. Há quem chame single-issue voter aos que, por exemplo, decidem em quem votam a partir da posição do candidato quanto ao aborto. Apesar de considerar que a política não é um assunto apenas não me parece repugnante que alguns assuntos por si só possam marcar toda a política (os meus adversários políticos fazem o mesmo em relação a outros valores). Nesse sentido considero que o aborto pode ser um assunto que distinga em quem posso votar de quem não posso. Essa é hoje a minha posição: não voto em pessoas que defendem o aborto porque cheguei à conclusão que reconhecer o mal do aborto e combatê-lo é um requisito moral necessário para um governante (ainda pode ser para um médico). Alguém que não o faça não me oferece uma garantia mínima de discernimento ético. Com isto não digo que quem defende o aborto é necessariamente maligno mas digo que o aborto é absolutamente maligno. Por isso oro por governantes que não reconhecem a maldade do aborto. Posso até colaborar politicamente com eles. Mas planeio nunca contribuir para a sua eleição. É uma posição de princípio que pode fazer de mim um single-issue voter. Sei que há cristãos que não têm esta posição e só espero deles o mesmo respeito que lhes tenho.

2. Obama é o Presidente mais abortista da história americana. Googlem e verifiquem. No caso desta eleição, e tendo em conta que o candidato republicano tem uma posição diferente, clarificaria que, pelo menos, não votaria em Obama. Se votaria em Romney ou não é outra história mas seguramente a linha estava nítida para mim da certeza a quem não daria o meu voto.

3. Deixa-me perplexo a leveza de alguns amigos que conheço junto de mim contra o aborto elogiarem Obama sem sequer uma palavra quanto ao assunto. Correndo o risco de poder ser injusto, creio que é em casos destes que se distingue alguém que realmente olha para o aborto como uma monstruosidade. Simplificando muito a minha tese: se és capaz de votar em Obama, believe me, não és assim tão contra o aborto.

4. Li uns parágrafos de um texto lamentável do Miguel Sousa Tavares. Falando sobre os candidatos republicanos, escreve: "Eles acreditam em Deus e prometem governar em seu nome, com um programa de terrorismo social e de deboche económico que vai fazer do idiota do George W. Bush um gajo porreiro." Não me parece que MST queira ter esta conversa de um modo inteligente por isso só quero aproveitar a boleia para uma coisa: se a categoria escolhida é "governar em nome de Deus" Obama está tão em cima quanto Romney. Claro que isso levaria os jornalistas a fazer muito trabalho de casa (o que me parece cada vez menos provável quando o António Marujo é despedido do Público - jornal que não chegou a publicar uma carta que enviei ao Director sobre estes assuntos religiosos nas eleições americanas). Para tentar simplificar: Obama é evangélico como eu (eu sou baptista, ele é pentecostal). É verdade que Obama é um evangélico de posições teológicas mais flexíveis que as minhas. Mas o Obama, em quem não votaria, está mais próximo de mim do que daqueles portugueses que escrevem na imprensa, como MST, que votariam nele. Ou seja, MST apenas insiste numa retórica preguiçosa e descuidada que julga que Deus racha ao meio nos Estados Unidos como racha ao meio na Europa. Não racha.

5. Há uma reacção ao mormonismo de Romney que é preocupante. A mensagem que leio nas entrelinhas é que um mórmon não pode ser intelectualmente sério. Vamos por partes. Eu acho que a Igreja Mórmon não é uma igreja teologicamente séria. Mais: é herética. Mas parto do princípio que quem segue uma religião herética não é mentalmente inimputável. Reparem: para mim uma pessoa que não acredita em Deus estabelece sempre, e ainda que em graus variáveis, uma convicção absurda (Deus cria-nos e depois nós não acreditamos nele? Não faz sentido). No entanto considero que um ateu pode ser no geral um bom político ainda que albergue em si uma particular irrazoabilidade. Se eu poderia votar num mórmon? Certamente. Se já votei em pessoas que cometem, como diz a Bíblia, a estultícia de crer que Deus não existe por que não seria capaz de votar num que acredita que há a divindade que é uma versão contrabandeada do cristianismo?

6. Não estou convencido que Obama é o anticristo. Isto porque há alguns evangélicos que o afirmam. Não estou com isto a dizer que ele não pode sê-lo (nessa ordem de ideias qualquer ser humano se qualifica para o cargo) mas receio que demasiadas certezas apocalípticas digam mais do desfoque de agora que da nitidez do futuro. Este excesso facilita a esquizofrenia de proclamar que a América é um país de burros quando vota Bush e sair para a rua em festa quando elege Obama. Em que ficamos? Eu não sei muito bem mas a prudência é aconselhável.

7. Ter esta discussão com portugueses pode ser interessante mas tê-la com americanos pode ser mais interessante ainda. É uma questão de escolher bem os portugueses e escolher bem os americanos. A nossa igreja em SDB tem a bênção de receber um americano e tenho aprendido com ele (que nestas eleições tem ainda menos certezas do que eu). A minha intenção com estas notas é lembrar que há chefe acima do Presidente americano. E que as relações entre um e outro certamente permitem que os cristãos discordem. E que o façam fraterna e racionalmente.

terça-feira, novembro 06, 2012

Ouvir
As palavras são de tal modo importantes que a Bíblia fala que a salvação depende também da confissão (Romanos 10:9). Detestamos o cliché contemporâneo do “prega o evangelho e se for preciso usa palavras” porque nos parece tão preguiçoso quanto pateta (as pessoas não se salvam pelos nossos lindos olhos ou pela maravilha dos nossos actos mas pelo contacto com o que Jesus fez e isso exige que essa história seja contada). Mas reconhecemos que temos de observar as limitações das nossas palavras, sobretudo se elas se tornarem um refúgio de uma fé amedrontada. É possível ter uma fé tímida e, logo, calada, mas também é possível, como Pedro nos mostra, ter uma fé tímida e, logo, só de palavras.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

segunda-feira, novembro 05, 2012

Em caso de vida opte pela morte
(ou Johnny Cash e Flannery O'Connor como os noivos cadáveres)

[Este artigo foi escrito para o último número da revista brasileira iPródigo]













Gostaria de sugerir um casamento. Um casamento de duas pessoas que já morreram mas que tornam a vida de muitos mais animada. Sugiro que casemos provisoriamente Johnny Cash com Flannery O’Connor, pelo menos para efeitos deste artigo. Este par comete a proeza improvável de inspirar (outro nome para dar vida, segundo nos ensina o relato inicial do Génesis) através do ar sombrio. Como é isso possível? Não sei bem mas pertenço a uma multidão crescente que quando ouve as canções do Johnny Cash ou lê os contos da Flannery O’Connor sente uma mistura de medo e ternura que não quer deixa de saborear. E arriscaria que uma boa parte dos fãs do Johnny Cash será também fã da Flannery O’Connor e vice-versa. Por isso o casamento que sugiro entre os dois acaba por ser apenas uma formalização de um romance que já existe dentro da cabeça de muitos.
Johnny Cash e Flannery O’Connor são justamente associados ao sul. O sul, como parte debaixo do Norte, serve muitas vezes como alegoria literária da morte, do que é negativo. Da Bíblia a Dante, das mitologias antigas às novelas modernas, das ciências exactas às artes. Mesmo se pensarmos no contexto americano, a frase “the south will rise again” sugere-nos uma dose de ressentimento que geralmente serve para a rebeldia ganhar coragem. Nos filmes de Hollywood os rednecks encarnam essa luta que pode ser tão brega quanto heroica. De qualquer modo, se o sul ressurgisse significava que as coisas ficavam literalmente de cabeça para baixo (isto independentemente do peso dessa frase no sensível passado racial dos EUA). O sul das canções de Johnny Cash e dos contos de Flannery O’Connor é uma oportunidade de desforra de um mundo que se sente mal-tratado. A preferência do cantor pelos bandidos é equivalente à dedicação da escritora aos inadaptados. Não enquanto elogio da delinquência mas como sabotagem do Norte, tão facilmente convencido do topo em que habita. Esta suave transgressão é também uma das razões do êxito de Cash e O’Connor entre pessoas que desconfiam dos bons. Enquanto Johnny Cash faz gestos obscenos com os dedos aos carcereiros dos seus ouvintes presidiários, O’Connor coloca as suas personagens mais presunçosas sob ataque, quando não mesmo simplesmente abatidas a sangue frio. Numa época que se gosta de ver como ousada este tipo de violência oferece uma árvore genealógica às travessuras do Quentin Tarantino.
Johnny Cash e Flannery O’Connor fazem um belo casamento cristão. Porque ambos eram cristãos assumidos e faziam da fé o elemento mais unificador e fundamental das suas criações. Curiosamente, os fãs dos dois tendem a suportar-lhes a religião. Talvez porque se distraem mais com a intensidade dela que propriamente com o seu conteúdo. Mas é objectivo que ninguém se horroriza com as canções espirituais do Johnny nem com os ensaios teológicos da Flannery. Parece que estes dois casam-se numa cerimónia religiosa que os pagãos conseguem tolerar. O cristianismo de Johnny Cash e de Flannery O’Connor parece mais atraente que o cristianismo de Billy Graham e Joseph Ratzinger. Não será estranho a isso o facto de que os últimos falam da fé porque devem ao passo que os primeiros porque querem. O mundo tende a ter medo da necessidade para gratificar o que parece espontâneo. Como se o trabalho não fosse uma questão de vontade. De qualquer modo, o matrimónio de Cash e O’Connor ajuda a dizer que o amor também é um estilo. A fé é o modo como a doutrina altera favoravelmente o humor. Segue-se o ritmo enquanto se ouvem as palavras.
A omnipresença da morte na música de Johnny Cash e na escrita de Flannery O’Connor faz que palpitem acima da mediania dos seus pares. Lança um eco inesperado que restitui mistério ao que é popular. Independentemente dos ouvidos que escutam e dos olhos que lêem acreditarem ou não no cristianismo, não conseguem evitar a reacção ao traço distinto destas canções e destes contos. E se não consigo reproduzir aqui a fórmula de como ser simultaneamente um bom artista e um bom cristão diria que o segredo passa por introduzir sem medo a morte no melhor que a vida tem. Sabemos que um dia Jesus encerrará o negócio de morrer. Mas até essa liquidação total acontecer a morte pode transformar-se inesperadamente num bom vendedor da vida. Esperar o fim com a graça do início. Um funeral precisa sempre de uma melodia e de um poema.

sexta-feira, novembro 02, 2012

Na reunião de Quinta-Feira
A pregação do Pastor Jónatas Lopes no Domingo passado foi muito produtiva. Ontem quando estávamos na reunião de oração, partilha, leitura e estudo da Palavra, centrámo-nos sobretudo em duas ideias sugeridas pelo sermão: comparar os nossos sofrimentos com os de Jesus, e a associação do silêncio de Cristo ao sofrimento injusto que passava.
A primeira foi essencial para relembrar o que nenhum cristão pode esquecer: o sofrimento de Cristo foi único. Está colocado numa escala de eternidade (pela primeira vez desde sempre o Pai e o Filho ficavam separados) e é um sofrimento que transporta em si uma grande multidão de pecados do mundo. Perder de vista que Cristo foi feito pecado por nós (e portanto que a sua morte foi um castigo que suportou no lugar dos verdadeiros culpados, nós) é ficar com uma cena da cruz que é apenas mais um episódio triste em tantos episódios tristes do universo. Ora a cruz é o episódio triste que resolve todos os episódios tristes do universo. Por isso o sofrimento de Cristo é incomparável com o nosso (paradoxalmente vale então a pena compararmos os nossos sofrimentos com os dele para sabermos que são incomparáveis). Nesta altura o Miguel partilhou que tenta fazer a pergunta "o que tem Deus a ver com isto?" em todas as circunstâncias da vida. O João antes tinha dito que "se vamos imitar Cristo, imitemo-lo também nas circunstâncias em que sofremos injustamente". E o Pedro acrescentou um provérbio espanhol que diz que Deus aperta mas não afoga (quem disse que a teologia não pode encontrar conforto no bom-senso de Castela?).
Ainda quando conversávamos sobre a relação entre sofrimento e silêncio a Adelaide contou que ajuda ouvirmos histórias de sofrimento de outros cristãos para despertar a leitura rotineira do sofrimento de Cristo na Bíblia. Isto também porque o Pedro falou de uma experiência recente na Igreja Moody's em Chicago em que ouviu o testemunho sóbrio de cristãos egípcios que correm risco de vida, sem que partilhassem ponta de auto-comiseração.
Temos muito trabalho pela frente enquanto igreja até porque reconhecemos que, quando comparados com outros, temos sido absurdamente poupados de sofrimento. Que Deus nos mantenha firmes quando, sofrendo, formos temperados.