terça-feira, janeiro 31, 2006

Mommy's a democrat, o papá é que nem sempre

As pessoas boas, altruístas e solidárias já se encontraram consigo próprias. Purificaram-se rapidinho e ajudam-nos cá em baixo. No meio do lamaçal. Permanecem sensíveis ao sofrimento do outro (foi o estilo de vida pelo qual optaram).
O problema é que a bondade, ao contrário do que se pensa, é um conceito pagão. Não o ensinarei à minha descendência. Aqui a receita é a de Romanos 3:23: "Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus". Sim, até tu, adorável filhinha. Agora empresta os teus cubos à Isabelinha que pior que ser boazinha é ser pedantemente egoísta. Com sorte e dedicação do papá não hás-de morrer filha única.

Verificar aqui e aqui. O senhor anafado de charuto na boca é um sacana. Indiferente à velhinha que pede no banco de jardim e às minorias raciais que não têm acesso ao ensino superior.

segunda-feira, janeiro 30, 2006

Revelo uma carta de amor que recebi da minha mulher
"Já paguei as tuas multas da EMEL.
Eram 5...
Operação
Pagamentos de Serviços
Número
XXXXXXXXXXX
Data
30-01-2006
Entidade
10604 GISPARQUES II SA
Referência
XXXXXXXXX
Montante
10,21 EUR
."
A blogosfera precisa de exposição. Intimidade descoberta.
Poema
Canções de dois minutos. Livros de teologia pós-medieval. Filmes sobre o fim do mundo. Desportos sem chancela olímpica. Mulher, filha e gatas.
Este homem nunca viu neve.

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Minnie e o primeiro álbum dos Black Sabbath
A roedora sugere que me poupe em palavras para falar desta banda. O que faz todo o sentido.
Ler
Já me tinha deixado destas coisas e decidido fazer da Voz do Deserto um diário críptico com velados intuitos economicistas. Mas este artigo explora a saga da inquisição anti-Crónicas de Nárnia e vale a pena.
"Envy, bad faith and instrumentalism: these are the raw materials that fuel today's anti-religious crusade".
Tem muitas linhas e o autor nem cristão é. A escrever assim para lá caminha.

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Escrúpulo
Fui ver o "Nada a esconder". Já não assitia a um filme falado em francês desde o "Belleville Rendez-Vous" com a minha mulher em contracções na cadeira do lado levantando-se de 15 em 15 minutos para ir à casa-de-banho de azulejos negros do Saldanha Residence quiçá para expelir vestígios de líquido amniótico. Assim é a natureza humana.
O Alexandre Andrade escrevia há uns tempos e com razão que o desporto de dizer mal dos franceses era modalidade em expansão (Haneke é alemão, salvaguarde-se). Reconheço o meu pecado sublinhando o irresistível do fenómeno. Mas "Nada a esconder" tem sangue e um plano assustador de um menino com um machado que são coisas que resultam sempre num grande ecrã. Lembro-me de um Chabrol de há uns anos que acabava com uma família assassinada pela empregada doméstica* (a memória é nublada). Quando se acredita no mal pode chegar-se ao bom. De contrário, nada para ninguém.
Devo referir que Binoche está roliça. Gloriosamente roliça. Interpreta na perfeição uma zanga com o marido. Faz falta ao cinema mais cenas de zangas conjugais. Esta está muito acima daquela de "Mr. and Mrs. Smith" demasiado estilizada para nos podermos rir com as nossas debilidades matrimoniais (França 1, EUA 0). Também é verdade que com aquelas botas de cowboy Angelina Jolie só pode esperar da humanidade submissão. Dócil submissão. Pitt nunca poderia ripostar.
"Nada a esconder" faz lembrar "Lost Highway" com a história das cassetes de video. No filme de Lynch havia uma Patricia Arquette igualmente em estado de graça. Vi-o na mesma sala do Monumental. A menina que devia rasgar o bilhete nem apareceu. Fui entrando sozinho e escolhi o meu lugar. Francês ou americano, haja mais reverência. Pelo escrúpulo que devemos à ordem e ao progresso do país.

* "A Cerimónia". Vão por mim que vale a pena.

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Foucault e David Fonseca
Espera-se que quem lê Foucault não goste das canções do David Fonseca. Pela velhinha densidade filosófica que caracteriza o mergulhador nas profundas franco-existencialidades do século passado. Eu, que li pouco Foucault e também não aprecio o David Fonseca, devo todavia desenhar uma ressalva. O David Fonseca tem uma manifesta predisposição para melodias jeitosas. E isto é o mais importante para a música. Que as estrague com letras estrangeiras, úteis para disfarçar a grandiloquência inevitável dos adolescentes, é natural e até em grande parte desculpável. Mas o leitor de Foucault não desaprecia o David Fonseca por essa razão. Fá-lo mais por pressão social do que propriamente apuro estético. O leitor de Foucault invocará o Captain Beefheart (que não merecia ser semi-exclusivo desta população) e a música erudita alemã como fontes de indisponibilidade auditiva para o David Fonseca. Mas o que realmente repugna o leitor de Foucault é ouvir música por razões estritamente musicais. A harmonia será uma categoria demasiado burgueso-decadente para ser aceite na urgente tarefa de desconstruir a alma humana.
Nós, os que não lemos assim tanto Foucault nem gostamos assim tanto do David Fonseca encontramo-nos numa encruzilhada. Isto porque as tascas das nossas cidades pertencem ao monopólio destas duas facções. Carecemos de alternativas hoteleiras.

O próximo objectivo será difamar conjuntamente Bourdieu e José Mário Branco. Nunca li nada do primeiro (ao contrário dos meus colegas de Faculdade que quando seguravam os seus volumes sorriam em pequenos esgares convulsos - uma actualização da revista Gina no liceu) e simpatizo vagamente com a carreira do segundo. Great parelha para derrubar.

terça-feira, janeiro 24, 2006

Cuidando do karma
O Comedor de Gafanhotos tem um texto novo. Sem dizer mal de nada, sem perseguir infiés, em suma, de bem com a vida. Volta e meia canalizo as energias positivas cá para fora. Muito raramente, é claro. Não se pode dar grande hipótese a estes optimismos orientais.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Last daze
- O Samuel diz-me para comprar a última Mojo Classic dedicada ao Johnny Cash. A revista é cara mas lá terá de ser.
- Este blogue (Right Reason) é muito bom e um dos últimos postes trata sobre a aversão que o filme das Crónicas de Nárnia anda a causar nos laico-guerrilheiros (pelos vistos o Aslan-Leão-Jesus é uma figura fascista. Já não se pode sair à rua de juba).
- O comício de sexta foi chatíssimo. Má música e maus discursos. Valeram-me algumas sociais-democratas que no rigor quaternário com que acompanhavam o hino da campanha me despertaram para os escaninhos poéticos do evento.
- Estive num almoço bestial no sábado. Com bloggers que admiro até à casa decimal do lambe-botismo mais exacto. Uma fotografia ilustra o acontecimento na Origem das Espécies. Eu estou providencialmente oculto. Há categorias pascalianas que não devem ser perdidas.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Palanque
É limpar o Irão, o Chomsky e os soldados do faraó que se escondem entre as frinchas das janelas. Estou demasiado ideológico, reconheço. Por causa do comício de logo à noite. O primeiro da minha vida.

quinta-feira, janeiro 19, 2006

Minnie e o primeiro álbum dos Heróis do Mar

É pena que na música que por cá é feita não haja ninguém a chatear a boa consciência colectiva. Essa era apenas parte do génio dos Heróis do Mar. Os trovadores nacionais de hoje são todos gajos porreiros e de esquerda, preocupados com o HIV e dispostos a entregar cachets a causas relevantes. O roque-enrole morreu.
O Pedro Ayres Magalhães tinha uma visão: letras que revelam traço de vida inteligente no planeta e ritmo. Não é preciso rigorosamente mais nada.

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Já por aqui existiu um grande apreço por Alexandra Lencastre
A magreza exagerada foi a fenda primordial no edifício. Numa entrevista à TVI a actriz, com as filhinhas ao lado, descrevia-as sumariamente (no problem with that). Falando da mais velha Alexandra perorava sobre a maturidade das questões existenciais que lhe apresentava. "Por que existimos?", "a que distância estão as estrelas?" e a catártica "por que é que o nada é para sempre?". Se bem me recordo a criancinha ainda nem dez anos tem. O pior da televisão é a má literatura.

terça-feira, janeiro 17, 2006

Sou feliz quando a minha filha não tem febre

Ben-u-ron. O Hebraico que tive no Seminário Teológico Baptista não foi suficiente para conseguir decifrar este enigma farmacêutico (desisti da cadeira). Ben é "filho de". Todavia as drogas podem enganar. Um dia espero regressar à língua dos Patriarcas e carregar bem naqueles érres e naqueles hagás.
A literatura ao serviço da piedade
"Alguns falam de estar em graça e fora dela como se fôssemos coelhos que entram e saem das suas luras".
Do tal volume de meditações do Reverendo Spurgeon.

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Domésticos dilemas II
De um lado: dissolver o remorso de ter abandonado o Proust na estante há mais de um mês. Do outro: incluí-lo na lista dos cinco autores diários logo a seguir às meditações bíblicas do Reverendo Spurgeon.
Domésticos dilemas
De um lado: alimentar o desprezo por tatuagens e assim demarcar-se da maralha juvenil aparentando uma postura ideológica chique. Do outro: tatuar o quanto antes "Ninivita" no ombro direito como se de um memorial pascaliano se tratasse.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Minnie e os Papers and Journals do Kierkegaard

Torna-se redundante a referência ao Sören. Mas a Minnie insiste. Estes diários foram comprados na Fnac do Chiado e exibiam um uso pré-consumo que me deu a coragem invulgar de ir perguntar à caixa se haveria mais um exemplar. É intimidante perguntar coisas em lojas. Pela seguinte ordem: vestuário, livrarias, mecânicos. A minha crença no mercado livre harmoniza-se com deixá-lo trabalhar em sossego (uma vez fui a uma entrevista de emprego para trabalhar naquela mesma loja. Uma amazona francesa fez-me transportar uma cadeira às costas quando a avisara que havia sido exposto a uma cirurgia no baixo ventre há menos de duas semanas. Num exíguo cubículo inquiriu-me acerca da vontade de trabalhar com livros e eu, acabadinho de sair da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, louvei a literatura com o excesso habermasiano que caracteriza aquela instituição escolar e apercebi-me logo que a franco-gigante não estava para tretas pós-estruturalistas. Na altura saí encurvado do minúsculo gabinete por causa da cicatriz na zona pélvica e porque os meus pais impacientavam-se com a indefinição laboral do seu filhinho. Disseram que contactavam dentro de duas semanas e até hoje espero o telefonema. Ainda terão de vender os meus volumes naquelas paredes amarelo-torradas, franciús do alfarrábio. A vingança é do Senhor).
Custou-me quase 20 euros, um preço exagerado. Mas pelo dinamarquês a gente permite-se. Leio-o quase todos os dias. Pouco de cada vez que a coisa é densa. A Minnie diz que se não fosse Kierkegaard os blogues não existiam. Está coberta de razão.

quinta-feira, janeiro 12, 2006

Não é a Atlantic
Mas também a Atlantic não é distribuída gratuitamente nas caixas de correio de Alverca. O Jornal Nova Terra é quinzenal e eu contribuo com uma crónica modesta. Na última aventei frases como: "De cada vez que ouço uma alma lamentar-se pelo consumismo cresce-me nas entranhas uma vontade indomável de naufragar em compras e cartões de crédito. O que diria esta casta gente se a maior festa cristã em vez de ser uma época de mesas fartas fosse um apelo ao jejum? Duvido que sorrissem escanzelados". Era sobre a urgência purificadora dos moralizadores da quadra. Claro que a minha tese é a do contra. O blogue que reúne esses textos é este: o comedor de gafanhotos.
Um homem tem de fazer pela vida.

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Retrato
No qual se comprova que o que faz falta ao país é uma suculenta manifestação de religiosidade no meio de assembleias de pagãos.

A fotografia dos Gratos Leprosos foi tirada pelo Carlos.

terça-feira, janeiro 10, 2006

As novas peregrinações que assustam Bento XVI
Começaram os saldos, baby. É bom ser protestante.
Sound Verité
Há qualidades em gravar as guitarras mais alto que a bateria. A bateria tem destaque a mais na música popular do Ocidente. Tanto assim é que as pessoas descobrem com surpresa que uma bateria ouvida ao vivo pouco tem a ver com o que se ouve nos discos. Uma bateria é uma coisa barulhenta. Ora nos discos ela passa por civilizada. É uma mentira da indústria. Hipocrisia corporativa, bramemos por justiça.
Quando gravo as minhas músicas ajusto contas com a situação: registo a bateria em ensemble com o baixo num microfone estereofónico barato. Não ofereço qualquer destaque aos pormenores das diferentes peças rítmicas. Pratos de choque, timbalões e tarola ficam todos embrulhados no mesmo estrondo. Afinal é assim que as coisas soam na verdade. Chamo-lhe maximização dos recursos e outra coisa que uma vez li escrita em estrangeiro e me pareceu muito bem: sound verité.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Uma nota pós-concerto
Chego a ficar embaraçado em cima do palco por ver meninas na casa dos trinta entoar tão ostensivamente o "Queluz está a arder". A cantiga tem mais de cinco anos mas só agora começou a capitalizar. Talvez Paris tenha sensibilizado o coração empedernido dos iluministas. Ter uma banda de panque-roque é a manobra de diversão ideal para cantar para mulheres sem sofrer a má reputação que os sergiogodinhizantes lançaram sobre o intérprete romântico. Os rapazes bem que se amachucam mutuamente na frente do palco ao som do alinhamento. Lá no fundo consentem que a música não lhes pertence. We're doin' it for the girls. Sem queimar soutiens e pregando a boa nova da velhinha e credível monogamia cristã.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

A primeira de Janeiro
Esta semana. Urgências do Amadora-Sintra, o harmónio esventrado na sala, gravação de cinco cantigas dos Pontos Negros, o C.S. Lewis no grande ecrã e uma enxaqueca que me levou a abraçar a sanita da igreja e a regurgitar o Champignon Burger do Medeia. Amanhã toco nos Recreios Desportivos do Algueirão num pequeno festival que junta panque com enchidos. Somos a segunda banda a subir ao palco. Domingo louvarei no Templo pelos dias que o Senhor me oferece.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Minnie e o livro de Isaías
Sou um pai mais sensível em 2006. Para prová-lo abri-me à colaboração dos outros elementos do núcleo doméstico. A famosa roedora que ocupa um lugar fundamental no sono da minha criaturinha de 20 meses passa a ter a sua própria rubrica neste blogue. Viajará, conhecerá pessoas e deixará conselhos de leitura. Começa hoje com linhas de teor profético que o futuro anda em baixo de forma.

O Livro de Isaías está na Bíblia, Velho Testamento. É um Profeta Maior e entre outras qualidades teve a sorte de dizer uma frase acertadíssima quando contactado por Deus : "Eis-me aqui, envia-me a mim".

quarta-feira, janeiro 04, 2006

O senhor do zero cego
Nem de propósito. Depois de um dia em que fiquei eu, profissional liberal da religião, com a filha chego a casa após um revigorante passeio por Santo Amaro de Oeiras e o meu televisor sintoniza uma declaração de Miguel Guedes, vocalista dos Blind Zero. Parece que de teor eleitoral. O cantor vota Louçã. A respeito de não sei o quê afirmava que a ideia de que uma criança deveria ser educada por um núcleo familiar tradicional de pai, mãe e avós era "extremamente conservadora". Em jeito de reprovação, concerteza. E que o próprio conhecia casos de modelos alternativos que exerciam a sua função pedagógica de um modo mais "bonito". Valeu-me o facto da minha descendente, assinalavelmente obscurecida pelo modelo judaico-cristão de parentela, ter exigido naquele preciso momento que lhe pusesse o DVD da Carochinha (o tal, caros leitores, o tal). De fealdade em fealdade se vai protegendo no meu lar o conceito tradicional de família.

terça-feira, janeiro 03, 2006

A desvantagem e redenção possível do senhor que nunca leu Pascal
O senhor que nunca leu Pascal não está perdido. Mas parte com uma grande desvantagem. Não sabe que o Blaise tinha no forro do casaco uma folha que relatava uma experiência mística pessoal que se sobrepunha às matemáticas e ciências. O senhor que nunca leu Pascal deve terminar com urgência o seu estado de ignorância. E desejar esconder algum papel semelhante nos recônditos do seu vestuário.
Troque-se o cão
Preso por ler demasiado a Bíblia e preso por não a saber de cor.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

Projectos para 2006
- gravar um disco chamado "Margarida Marinho"
- ler as Institutas do Calvino
- ver todos os filmes do Carpenter
- ter o segundo filho
- skatar uma vez por semana.
Segue
Dois mil e seis. Anno Domini.